[CRÍTICA] LIVRO: THE LOST SUPREME: THE LIFE OF DREAMGIRL FLORENCE BALLARD

João Carneiro
6 min readApr 22, 2020

Por João Carneiro

Capa do Livro: O Supremo Perdido: A Vida da Garota dos Sonhos Florence Ballard, escrita por Peter Benjamison.
Capa do livro O Supremo Perdido: A Vida da Garota dos Sonhos Florence Ballard. / Fonte: Amazônia

Recentemente, eu li o livro “O Supremo Perdido: A Vida da Garota Sonhadora Florence Ballard”, do jornalista Peter Benjaminson (conhecido por escrever alguns livros sobre os Motown Records e seus artistas).

Inicialmente, um dos meus maiores choques se deu ao ler uma pequena descrição antes de iniciar o livro que tinha sido utilizado - principalmente - em entrevistas gravadas exclusivamente pelo autor de Florence Ballard durante várias semanas, em 1975.

É chocante pensar que todo esse encontro do Peter com a Ex-Suprema foi feito meses antes da própria morrer aos 32 anos de idade em Fevereiro de 1976. Para os leitores (dando ênfase aos que conhecem de algum modo as The Supremes e a história da Flo) acaba sendo impressionante ver que a cantora teve uma oportunidade (que seria sua última chance )de ser ouvida e contar o seu lado da história. Um ponto interessante a ser frisado é a associação que o autor faz do legado das The Supremes com o filme Dreamgirls

Capa do álbum “Cream Of The Crop” recriado no filme “Dreamgirls”. /Fonte: Flickr

A leitura das páginas iniciais são rememoráveis, assim eu classifico, pelo fato de a cantora contar de maneira sutil sobre a sua infância ao lado dos pais e dos seus doze irmãos. Um dos diversos momentos que permite o leitor fazer uma prazerosa viagem ao tempo se dá quando a Florence relembra a sua relação com a música na infância, onde, no inverno, costumava cantar na janela sua música favorita chamada “Silent Night” — coincidentemente, a fundadora das The Supremes acabou gravando a música para o álbum “Merry Christmas”, no entanto, a música só foi publicada na Edição Expandida, em 2015, se não me falha a memória. Além, e seria impossível eu não pontuar do cômico encontro das Supremes com os Beatles.

The Beatles e The Supremes foram os maiores grupos vocais dos anos 60. / Fonte: Flickr

A cantora também conta, de forma detalhada sobre sua amizade de adolescência com Mary Wilson e Diane — que, anos depois, passaria a ser conhecida como Diana Ross, e a ascensão das The Primettes para as The Supremes, inicialmente formado por um quarteto.

Todavia, existem capítulos e relatos no livro onde torna-se impossível não chorar. Um dos relatos mais tristes, em minha opinião, foi do estupro no qual cantora foi vítima durante a sua adolescência. No livro, a ex-Suprema não conta ao jornalista sobre a ocorrência. Contudo, o público passou a ficar sabendo do episódio anos depois.

Os anos Supremos foram de muitas batalhas, não só para as novas integrantes da Motown Records como também para os diversos cantores negros da época, vítimas do rigoroso sistema de segregação racial que assolava os Estados Unidos nos anos 60. Ao olhar de Florence, como cantora negra e participante das turnês da gravadora, a cantora dá depoimentos chocantes sobre a condição do povo negro em uma sociedade extremamente racista. Desde os perigos das turnês (onde viajavam de ônibus), até as experiências de vida e morte envolvendo o ódio dos brancos pela comunidade negra.

Da esquerda para a direita: Rosalind Ashford, Betty Kelley, Martha Reeves, Claudette Robinson, Eddie Kendricks, David Ruffin (escondido), Smokey Robinson, Pete Moore, Otis Williams, Bobby Rogers, Melvin Franklin, Ronnie White, Paul Williams, Florence Ballard, Diana Ross e Mary Wilson. Stevie Wonder e Earl Van Dyke Six estão em turnê, mas não são mostrados aqui. /Fonte: Classic Motown

Um dos maiores problemas internos do grupo (e os fãs sabem muito bem) começa a criar forma no momento em que Berry Gordy, fundador da Motown, nomeia Diana Ross como cantora líder. No entanto, ao ler as declarações de Ballard sobre o comportamento da sua amiga no grupo, a visão que eu tive de Ross, pelo menos daquela época, era de uma mulher extremamente ambiciosa pela fama e pela liderança do grupo — infelizmente, para mim, ficou estampadíssimo que ela queria ser a única estrela, integrante e vocalista do grupo. Diversas passagens do livro mostram as atitudes negativas de Diana com algumas pessoas que admiravam seu trabalho.

The Supremes performando o clássico “My World Is Empty Without You” no Ed Sullivan Show, em 1966. /Fonte: Wikipédia

Todos os acontecidos com Florence, desde os conflitos com Diana, até os problemas com Gordy e a sua expulsão no grupo (muitos alegam que Florence provocou sua própria expulsão, porém eu acho ao contrário), trouxeram consigo diversos problemas psicológicos.

Após a expulsão de Florence Ballard, Cindy Birdsong (esquerda) assume o lugar da cantora. O grupo passou a chamar-se Diana Ross and The Supremes. /Fonte: Beauty Editer

Ao ler as páginas da vida de Florence pós Supremes, fica em evidência que a Motown simplesmente ignorou o legado deixado por Flo após sua saída no grupo. Tendo seus direitos confiscados pela gravadora, Ballard lutou como pode para ter suas garantias exercidas, sem contar que foi vítima de inúmeros golpes do seu advogado, e também de um relacionamento abusivo. O desespero para lutar contra o alcoolismo, pobreza, depressão traz ao leitor um sentimento de revolta e angústia ao vê-la fazendo o possível e o impossível para alimentar suas três filhas e para dar uma boa vida para elas. A vida de Florence tinha se tornado tão miserável, que após o seu marido passar a não enviar dinheiro da pensão alimentícia de suas filhas, cantora precisou receber assistência do “Auxílio às famílias com filhos dependentes ( AFDC )”.

Florence Ballard e suas três filhas Lisa (no colo da mãe), e as gêmas Michele e Nicole Ballard. /Fonte: Pinterest

Creio que todos os leitores queriam que o final da Florence fosse igual ao final da Effie no filme “Dreamgilrs: Em busca de um sonho”. O que infelizmente não foi. Com apenas 32 anos de idade, a fundadora do maior grupo musical falece em Detroit vítima de trombose na artéria coronária, deixando 2 filhas gêmeas e 1 filha 2 anos mais nova. Na biografia, o seu velório (tendo o CL Franklin pai de Aretha Franklin, como mediador da congregação) é tratado de maneira um pouco turbulenta, relatando as vaias distribuídas à Ross durante o funeral, e também o polêmico relato do autor ao ver nos jornais, fotos de Ross, durante o velório com uma das filhas Ballard no colo.

Anúncio da morte de Florence Ballard em um jornal Norte Americano. Na foto é possível ver as três filhas de Florence, e a cantora Diana Ross ao lado da filha mais nova de Florence. /Fonte: Pinterest
Diana Ross conforta Lisa Champan (filha de Florence Ballard) durante o velório da cantora. /Fonte: Pinterest

O livro, que vem acompanhado de algumas imagens — inclusive da certidão de óbito da cantora — permite aos que não conhecem a cantora, ter um primeiro contato com ela e com o grupo através das fotografias– ajudou a manter viva, a imagem de Florence Ballard (que recebeu uma minúscula homenagem no “Motown 60: A Grammy Celebration” em 2019). Com o advento e popularidade das redes sociais, os vídeos da primeira formação das The Supremes, se encontram disponíveis no Youtube, atraindo pessoas de diversas idades. E também, plataformas como twitter, facebook e instagram, possuem páginas, fã-clubes e grupos que ajudam a manter a imagem da lendária Florence viva — não só a imagem dela, como de todas as outras integrantes das Supremes. Por fim, apesar de o livro encontrar-se apenas no idioma inglês, eu consegui fazer uma tradução 97% (reavaliando) compreensível. Obrigado Florence, e obrigado Peter pela obra.

P / S: O Peter gostou da crítica!

Segue abaixo um pequeno “spoiler” de quem é Florence Ballard! Espero que tenham gostado da crítica, e viva Florence Ballard!

Vídeo e Foto: Supremesarchive

https://youtu.be/IsDWk1uZg6I

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